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Enfoque HQ: Daytripper - uma crônica sobre a vida e a morte

Eu estava aguardando para a estréia de um post sobre HQs ser simultânea a muitas outras renovações do nosso querido Comando Login. Mas uma compra de impulso em uma pequena banca de jornal da minha cidade me fez mudar de ideia.  E o início não poderia ser mais triunfal do que com esse espetacular exemplo de quadrinho nacional, condecorado com prêmios internacionais (inclusive o Eisner, o Oscar dos quadrinhos) e considerado um dos - se não o mais - bem recebido HQ nacional no exterior. 

E foi assim que incrivelmente pífios 25 reais gastos me trouxeram de encontro a essa obra prima. Esse é o preço que se paga pela versão mais barata - e ainda assim muito boa - da obra. Mas se você é realmente fã, é capaz de encontrar a versão em capa dura por uns 60 reais.

Mas antes de falar do conteúdo dessa obra e buscando entender porque ela ficou tão famosa, acho que cabe uma pequena consideração sobre os autores Fábio Moon e Gabriel Bá.

Os Autores

Os irmãos Fábio e Gabriel, são irmãos gêmeos nascidos em São Paulo, cidade onde moram ainda hoje. Muito antes de ganharem o mundo e terem suas histórias lidas no Brasil, EUA, França, Espanha, Grécia, Alemanha, Japão e Itália, os dois começaram um pequeno projeto em 1997 de uma revista de produção independente de estilo underground chamada 10 pãezinhos. A revista chegou a 40 edições, gerando 5 livros: "O Girassol e a Lua (2000, Via Lettera), "Meu Coração, Não Sei Por Quê." (2001, Via Lettera), "CRÍTICA" (2004, Devir), "Mesa para Dois" (2006, Devir) e "FANZINE" (2007, Devir).

Depois desse primeiro sucesso que inaugurou os irmãos no cenário de quadrinhos, eles ainda lançaram 3 revistas independentes em parceria com outros quadrinistas, como a "ROCK'N'ROLL"(2004), "Um dia, Uma noite" (2006) e "5" (2007). Nesse mesmo ano também lançaram uma adaptação de O Alienista, de Machado de Assis, sendo premiados com o Prêmio Jabuti na categoria de "Melhor livro didático, ou paradidático na categoria ensino fundamental ou médio".

Mas foi em 2010 que surgiu o projeto mais ambicioso e premiado dos gêmeos. Surgia o Daytripper, uma minissérie em 10 edições desenhada e escrita por eles, e colorida por Dave Stewart.

Brás de Oliva Domingues, o obituarista

A história de Brás não parece ser mais peculiar do que a de uma pessoa comum. Um paulistano que começa os dias com a leitura do jornal diário, pula para um belo café preto, forte e sem açúcar e vai diretamente para a redação do jornal onde trabalha como obituarista - enquanto não realiza o sonho de se tornar um escritor consagrado, assim como seu pai. Entre uma nota de falecimento e outra, sutis questionamentos sobre o contemplar da vida e de dias importantes e únicos da existência se misturam em um ciclo sobre a irônica morte daquele que trabalha escrevendo sobre ela. E eis o enredo peculiar e inovador dessa obra: narrar as várias mortes de Brás, como se cada dia de sua vida fosse o último.

A história, portanto, segue de maneira não linear, tendo cada capítulo intitulado com a idade do protagonista. Assim, somos transportados para vários momentos da vida de Brás, passando da infância nostálgica na fazenda dos avós aos 11 anos, ou do dia do nascimento de seu primeiro filho aos 41, até a contemplação de sua vida consolidada aos 76. Em cada um dos dez capítulos da saga, os autores conseguem levar ao leitor, de maneira natural, os sentimentos mais típicos de cada fase da existência, cada dúvida, amor, medo e angústia. No fim das contas, todo esse passeio pelo constante sentimento iminente da morte, acaba por deixar ao leitor um sutil recado sobre a robustez da vida em cada um dos seus momentos mais singulares. Da primeira paixão arrebatadora ao amor sincero e derradeiro, o livro explora essa fragilidade da existência de maneira única - encontrada em poucas obras da literatura, e sob a rara coragem de matar o protagonista diversas vezes durante a história.

Mas além de um formato inovador e uma história com profundidade ímpar e ao mesmo tempo sutil, Daytripper também é uma peça de qualidade gráfica indiscutível. Um jogo de imagens vivas que surgem entre detalhados e complexos planos abertos e quadros focados em um sorriso ou olhar singular. Cria-se assim uma história onde os momentos silenciosos criam tanto sentido quanto aqueles dialogados. E, finalmente, para concluir essa análise, uso as próprias palavras dos autores, descritas nas últimas páginas da obra como posfácio.

"Com o pé calcado na realidade, o mais difícil não seria criar algo que PARECESSE real. Não, o mais difícil foi criar um mundo que você SENTISSE ser real. (...) Queríamos aquela sensação de que a vida está acontecendo aqui, bem à nossa frente, e a estamos vivendo. E como vivemos. E as vezes morremos para dizer que vivemos."   
Fábio Moon, novembro de 2010.  



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