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A polêmica do final de Mass Effect 3: um cala-boca nos críticos de botequim




Antes que qualquer chato venha dizer “cara, eu ainda não fechei o jogo! Você não vai dar spoiler né?” eu já digo: VAZA! NÃO SABE LER NÃO? O ARTIGO É UM SPOILER!

Enfim, voltando ao assunto: o fatídico final da série Mass Effect. Ou, como a grande maioria dos players por aí gostam de dizer, entortando a cabeça para o lado e numa voz misto de desapontamento e vocês-só-podem-estar-de-brincadeira, “é só isso mesmo?”

Não é novidade para ninguém que, quanto maior o sucesso de um game, maior é a expectativa do público para seu sucessor. E o sucesso dos dois primeiros Mass Effect foi GIGANTESCO. Mass Effect 3 figurou durante todo 2011 como um dos jogos mais aguardados para esse 2012, e isso num ano que traria novidades bombásticas e aguardadíssimas de franquias muito mais tradicionais, como Diablo e Max Payne.

O fato é que, em pouco mais de três anos, a Bioware conseguiu introduzir e popularizar um novo conceito de jogo, uma inovadora mistura de shooter com RPG (no que talvez tenha sido a primeira vez na HISTÓRIA que uma desenvolvedora tenta misturar conceitos tão distintos e alcança um resultado altamente viciante, ao invés de um tipo de frankenstein que tenta ser duas coisas mas acaba não sendo nenhuma, trazendo muito mais raiva do que prazer a quem joga), além de muito provavelmente ser a única franquia de jogos de temática espacial que deu certo sem carregar o nome Star Wars carimbado na embalagem. Pelo menos é o único bom jogo que eu me lembro de temática espacial que não tem Star Wars no nome, e como estou longe de ser um gamer hipster considerarei o fato de não conseguir me lembrar de nenhum outro como sinônimo de sucesso.
Mas, aí, veio a EA. Uma boa parte do gamers, pelo menos do Brasil (até porque já chega ouvir chorôrô de gamer criado pela vó à leite-com-pera em português, não tenho a menor vontade de ficar fuçando a internet pra ficar ouvindo nhenhenhém em 15 línguas diferentes), fica se perguntado o que a EA está fazendo no mercado de jogos, e alguns chegam até a pensar em conspirações do tipo de que ela foi criada apenas e com o único propósito de destruir seus sonhos. O fato é que a empresa continua aí, cada vez mais forte e atuante no mercado, porque é uma verdadeira máquina de fazer dinheiro. E isso porque, mais do que com a recepção dos usuários, se preocupa em criar ações de marketing, já que sabe que, no fundo, nós gamers pagamos de revolucionários mas somos consumistas compulsivos pra caramba. Uma boa prova disso é que, por mais que se reclame da empresa, a cada trailer novo lançado e jogo anunciado é um “Deus nos acuda!” de mensagens em fóruns da vida sobre como “esse jogo vai ser muuuuuito loucooooo!!!!!”. Porque nada como um videozinho de um minuto e meio com tiros, explosões e frases de efeito para fazer com que esqueçamos todas as convicções de luta e discursos ideológicos de revolução para voltarmos a ser os patetas que sempre fomos desde o berço.

Mas falemos do problema que esse artigo tenta abordar: Mass Effect 3. Ou, melhor dizendo, o final de Mass Effect 3. Porque acredito que não seja só eu que acha que não há o que reclamar do jogo em si. Em praticamente todos os aspectos, Mass Effect 3 cumpre aquilo que promete: ser um jogo à altura da franquia, senão superior aos seus antecessores. O último título da trilogia já se inicia com uma belíssima cena de ação, que se mantém ininterrupta durante todo o decorrer do game. Além disso, a enginegráfica foi melhorada, deixando o jogo muito mais leve de se processar, me proporcionando a surpresa de conseguir finalizá-lo sem lag num pc que não roda nem Fifa Manager sem dar lag.

Mas o grande (talvez único) problema do jogo se encontraria, justamente, no tão esperado clímax: a sequência final. Ou naquilo ser justamente o que os fãs não esperavam: um anticlímax. Aposto que não fui o único que resolveu dar uma de malandro, carregar o save de antes de entrar no coração da Citadel e escolher a outra opção (matar Anderson/Illusive Man, dominar/destruir os Reapers, ou qualquer que seja a combinação diferente daquela que se escolheu na primeira vez) e se espantou com o fato de, independente das escolhas, o final era praticamente o mesmo. Que, com a exceção de algumas minúsculas mudanças, TODOS os finais do jogo eram iguais.

Tenho certeza que não fui o único a se sentir frustrado.

Mas aposto que fui o único a começar a gargalhar na frente do monitor, e apontar para ele com aquela expressão de “I see what you did there”.
Pelos comentários que rolam solto na internet, acredito que eu fui o único a entender a piada. Uma piada que, em certo ponto, serviu para comprovar duas teorias sobre games que já pairavam em minha cabeça há pelo menos uns 5 anos: de que os roteiristas de games na verdade são romancistas frustrados, e de que os jogadores de videogames não entendem nenhuma referência cultural que não faça parte do universo dos animes e/ou filmes pornôs.


Explico: todo o último jogo da série Mass Effect foi calcado numa das teorias de narração mais antigas que existem, e remete à história de Édipo.

Explico 2: como Édipo não é nenhum personagem de anime e nem uma atriz pornô de seios gigantes e olhos puxados, me sinto obrigado a explicar melhor isso, para não parecer que estou falando grego. O que é um tanto irônico, pois é exatamente isso que estou fazendo. Édipo é um dos personagens chave da mitologia grega, e que ficou mais conhecido no ocidente como “o cara que matou o pai pra comer a mãe” graças aquele bigodudo alemão que não batia muito bem da cabeça chamado (não, não se chamava Mario) Freud. Mas, por trás dessas atitudes chocantes do personagem, há toda uma teoria mais profunda: a de que o destino é algo único, previamente traçado e que, não importa o quanto lutemos, nunca será mudado.

Explico 3: porque eu vou ser obrigado a contar a historinha toda, senão vocês vão continuar sem entender nada do que estou dizendo. E, mais do que isso, porque tenho certeza que vocês seriam preguiçosos demais pra ir na wikipedia procurar a história de Édipo e, provavelmente, achariam que eu estou falando merda, parariam de ler e voltariam a jogar My Little Poney. Édipo era filho de Laio e Jocasta, governantes da cidade de Tebas. Segundo a lenda, ao fazer uma visita ao Oráculo de Delfos, Laio escutou a seguinte profecia: de que seu próprio filho o mataria e depois desposaria a própria mãe. Disposto a cortar o mal pela raiz e evitar que a profecia se concretizasse, após o nascimento do menino, Laio o leva até o monte Citerão e lá o abandona, pregando seus pés no chão para que não tentasse fugir (como se um bebê fosse ir muito longe. Mas, ei! Aqui é a Grécia Antiga! O único lugar do mundo onde bebês matam cobras antes mesmo de aprenderem a falar).
O menino é encontrado então por um pastor que por ali passava, que lhe dá o nome de Edipodos (“o de pés furados”), e o leva pra a cidade de Corinto, onde é adotado pelo rei de lá. Ao chegar à idade adulta, como é costume dos jovens príncipes, Édipo resolve ir ao Oráculo de Delfos para ter uma previsão de como será seu futuro. Assim como há alguns anos atrás, o Oráculo repete a profecia: Édipo irá matar seu pai e se casar com sua mãe. Acreditando que o Oráculo falava de seus pais adotivos (que ele acreditava serem biológicos), Édipo resolve fugir, se afastando o máximo que podia da cidade de Corinto e da presença de seus pais.
No meio do caminho acaba entrando em confusão com um outro cavaleiro, que vinha na mesma trilha estreita em que ele estava, mas seguindo na direção oposta, e que não queria lhe dar passagem. Nervoso com o acontecido, Édipo mata o cavaleiro e toda sua comitiva (viram? Não é de hoje que briga no trânsito termina em morte) e continua seguindo viagem. A estrada o leva até os portões de Tebas, onde um horrível monstro chamado Esfinge propunha um desafio a todos os viajantes que tentavam passar: deviam responder um enigma, ou então seriam devorados.
O enigma já deixou há muito tempo de ser referência literária e entrou na categoria de “Piada velha e ruim”; todo mundo um dia já foi uma criança “esperta” e já fez aquela pergunta cretina de “o que anda em quatro pernas de manhã, duas à tarde e três à noite”, ainda que não fizesse ideia de quem fosse Édipo, Sófocles ou a Esfinge. O fato é que Édipo respondeu a pergunta e matou o monstro, o que deixou a população tão feliz e em dívida com o moço que ofereceu a ele em casamento a rainha da cidade, que já era considerada viúva desde que o rei havia partido em viagem e nunca mais dera notícias. Édipo desposou Jocasta, virou rei de Tebas e os dois tiveram quatro filhos, um garoto e três garotas.
Então, num certo dia, a peste se abateu sobre a cidade: os rios secaram, as colheitas apodreceram, as pessoas morriam aos poucos em todos os cantos. Um sacerdote disse que aquilo era uma vingança do deuses, que se sentiram ofendidos com algum ato hediondo praticado na cidade, e Édipo, na maior boa vontade, pediu para que o capitão de sua guarda investigasse que crime foi esse. E foi então que ele descobriu toda a história e a contou para seu rei: que o casal que o havia criado não eram seus pais de verdade, e que seus verdadeiro pai era aquele homem que ele havia matado numa briga de estrada, e sua mãe a mulher com quem se casara e tivera quatro filhos. Chocados com a notícia, Jocasta se matou enfiando uma faca no peito, e Édipo arrancou os próprios olhos e saiu vagando sem rumo através da Grécia. Fim.



E como pano de fundo dessa história está uma das teorias mais antigas da narração e que é a utilizada em toda a concepção de Mass Effect 3: a de que, não importa sua ações, seu destino já está traçado. Por mais que se lute desesperadamente contra ele, o próprio fato de tentar evitá-lo será aquilo que tornará possível sua concretização. O destino de Édipo já estava definido desde o começo: ele seria um príncipe, mataria seu pai e casaria com sua mãe. E assim foi: Édipo, mesmo sendo abandonado, se tornou um príncipe (porque só tendo mesmo o cu virado pra lua pra ser abandonado no meio da nada e acabar adotado pelos reis de uma das maiores cidades-estado do mundo grego) e foi o fato de tentar fugir de seu destino que o levou em direção à briga que o faria matar seu pai, e aos eventos que o fariam se casar com sua mãe. Édipo tinha escolhas. Mas, não importava quais ele fizesse: seu destino já estava definido desde o começo.

Pois é assim que trabalha a história de Mass Effect 3.

Nós temos escolhas. Muitas escolhas. Centenas de escolhas durante o jogo, que influenciam diretamente no modo que as coisas acontecem. Mas não no final. E é aí que está a grande sacada da EA: eles nos avisam disso. O tempo todo! A cada cinco minutos alguém vem nos falar, seja Anderson, seja Hackett, seja o Illusive Man ou qualquer outro personagem aleatório que cruze nosso caminho, que não adianta lutar, que aquilo é um ciclo que se repete, que nenhum de nossos esforços mudará alguma coisa. E nós, um Sheppard tão turrão quanto foi Édipo e Laio, dizemos que não, que vamos lutar até o fim, que não aceitamos esse destino e que iremos mudá-lo de qualquer jeito. E, então, os programadores vem e nos dão o golpe final: justamente naquele que seria o momento de apoteose, onde as milhares de escolhas que foram feitas durante os três jogos da série deveriam influenciar numa gama gigantesca de finais épicos, somos presenteados com algo que ninguém esperava, um final único, que finge ser múltiplo, mas que praticamente não sofre alterações. E essa sacada é simplesmente genial! É algo que ninguém esperava. Afinal, estamos todos acostumados à perspectiva moderna, pós-nietzschiana, de mundo, onde acreditamos que nossas escolhas tem um sentido, e que controlamos as rédeas de nossas vidas. Confrontar as pessoas criadas nesse mundo e que só possuem essa perspectiva de vida com a visão clássica da Fortuna, de um destino pré-definido e imutável, é uma ótima sacada pois, mesmo que, de modo geral, ninguém entenda e se sinta frustrado, ao menos é uma forma de tirar essas pessoas de sua zona de conforto e mostrar que há, sim, modos de pensar além do espaço entre o teclado e a cadeira.

E o roteiro de Mass Effect 3 nos joga essa concepção na cara a todo momento, mas toda uma geração de games que seguem sempre os mesmos moldes nos tornaram arrogantes, o suficiente a ponto de acharmos que podemos prever o andamento de uma história por si só, e delegar os diálogos e toda contextualização de seu roteiro para mero preenchimento de horas de jogo. E vem a EA, justamente a destruidora de sonhos EA, e nos lembra o quanto estamos errados.

Você pode até não gostar do resultado final. Pode achar que seria muito mais legal se o jogo oferecesse 157 finais totalmente diferentes e distintos entre si. Você pode achar isso, é seu direito e deve ser respeitado. Mas não pode nunca falar que os roteiristas de Mass Effect 3 “cagaram no pau” e destruíram a série.

E se foram geniais e nós que fomos burros demais pra perceber isso?

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